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4 de out. de 2015

Tola





Eu estive mais tempo nas mãos dele que sob consciência de mim mesma. Eu sei que houveram outras, tantas outras, mas também sei que nenhuma o fez sorrir como menino vivendo como homem da forma que eu fiz. O apreço que mantenho por ele é baseado na educação que tive de minha mãe, regar o que ele um dia fez florescer dentro de mim, manter em meu peito ar purificado pra que meu pulmão não sofra um terço do que meu coração sofreu após nosso término brutal e até mesmo enquanto vivíamos aquela relação de ego ferido diariamente, com exceção de quando estávamos na cama, ou melhor, nus. 

O menino que fiz homem me notava apenas como mulher, no sentido cru da palavra, demorei a ver, talvez estivesse visto desde o começo, mas meus olhos preferiam ficar estáticos por sua casca que interior. Por tudo que ele tenha tirado de dentro de mim além de objetos de minha casa, tanto espaço ficou que passei por preencher detalhadamente cada canto aqui dentro e fora, passei a filtrar até mesmo meu inconsciente por uma vida que fosse inteiramente minha, sem interrupções. Por anos ao lado dele falhei em ser eu, vesti a carapuça que me deu de laço feito pra que me aceitasse e fosse aceita em sua roda de amigos, um troféu. Abri mão até mesmo dos meus pensamentos, calei a boca e ceguei a língua afiada que tinha desde pequena, envergonho-me, não honrei meu signo e tão pouco os ensinamentos que tive dentro de casa. 

Suas palavras enquanto colocavam fim em nosso relacionamento dilaceravam meu consciente juntamente dos ouvidos e sentimento, sentimento esse que fiz crescer antes mesmo de o conhecer, o qual depositei com confiança após ver seu sorriso encantador, menino, homem. No emaranhado de lençóis a cada gemido minha alma sorria na esperança de ser liberta pra viver o que a aliança prendia e sufocava, tola alma, mal reconhecia o ambiente de prisão que havia sido condicionada. A falta de melanina em meu corpo deixava à mostra marcas das cenas vividas entre os lençóis, vezes ou outras sofá, carro ou piscina. Aventureiro, escalava cada décimo de meu corpo, fincava seu material sem cálculo prévio ou estudo de campo, o resultado que o satisfazia era apenas seu, saído de seu corpo, com uso do meu. Sentia-me de corpo reciclado, usado e usado constantemente sem cuidado ou tratamento específico. 

Tola, talvez promíscua, forço a lembrar o que passava por minha mente nessas situações, antes e após, um flash branco mantém em minha vista. Reconheci que nesses anos de fluídos trocados por abster de razão, passei a não ter controle sobre meus próprios pensamentos e tão poucos sentimentos. Tola, marionete. Fez por passear suas mãos por todo meu corpo, juntamente de alma e cérebro, violentou-me no mais profundo sentido da palavra em cada estado de entendimento. Deixou rastros e marcas, os quais lavo-me diariamente, mas vezes ou outra no auge da companhia de uma garrafa de rum eu recordo friamente grunindo dentes e arrepiar de pele.

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