Páginas

19 de mai. de 2013

Incontestáveis irresponsáveis




O amor que por tanto tempo ficou ao meu lado esquerdo após uma bruta queda encontra-se desajeitado no direito, mesmo que não sendo nem um pouco certo. O deixei na terceira gaveta do meu armário, terceira por grande gosto por números ímpares, não foi primeira para não facilitar minhas bobagens, foi terceira por me pedir um esforço a mais, teria que dobrar meus joelhos pouco mais ao ponto de sentir as dores dos treinos que não são poucas, ainda mais fortes. Me doía então buscá-lo, mesmo que fosse apenas para olhar e recordar, o deixei em uma gaveta do armário pequeno mesmo, suas lembranças eram poucas pelo tempo que nos tivemos assim também, as lembranças eram poucas e bobas: Guardanapos com cantadas ou um verso, ingressos de filmes que vimos no cinema, teatros e shows, e talo do morango que havia sido coberto por chocolate e me dado com um anel de noivado - posso sentir o gosto doce se fechar meus olhos ainda. Eram poucas e bobas as lembranças, de maior número são ainda as do lado esquerdo com seus vestígios, as tais sentimentais, as tais que não se escondem ou somem de uma hora para outra. As sinto e as vejo quando a noite se adentra e escancara as portas dos meus pensamentos, não importa o quanto eu me revire e me silencie, a madrugada é traiçoeira e me tira gritos, grito teu nome em minha mente. 
 
Éramos incontestáveis irresponsáveis, tantas vezes teve que levar seu cachorro Billy ao veterinário para tomar vitaminas por ter esquecido de alimentar o pobre coitado e inúmeras vacinas atrasadas. E eu que nem minhas plantas reguei, só lembrava delas ao pisar em suas folhas secas, não dava outra, uma vez por semana era eu passando na floricultura e dando desculpinha chula ao atendente para não concretizar minha falta de responsabilidade até mesmo com uma planta que tão bela era. Eu sou assim, mesmo com minhas centenas de falhas não as admito, como as folhas secas varro-as para baixo do primeiro tapete que me aparecer pela frente, não sei porque diabos admito isso agora além de em minha mente. Mas você, você não. Arma a barraca e tapete vermelho para que notem a sua falta de dominação com a responsabilidade. Pobre Billy, ainda que tanto receba seu amor e atenção lamenta por não ter como sobreviver independente ao teu lado, completamente dependente e fiel a você, pobre Billy. Se isso acontece com Billy mesmo que com orelhas grandes, língua que mais baba que outra coisa e de andar desajeitado encanta a todos que o notem, até mesmo os alérgicos. Se isso acontece com Billy o que não poderia acontecer comigo? Já fomos para diversos restaurantes nessa cidade e até em outras, comida foi o que não me faltou, mas foi o que não me bastou. Faminta de atenção, carinho, desejo e apreço. De boca a babar por um elogio, olhos que notam qualquer desvio seu para qualquer coisa que não seja minha e nariz que naturalmente empinado não me sujeita a pouca coisa. Mesmo na falta de responsabilidade, nos deveres de ser fiel eu não faltei, me mantive ali, presente. Presenteei essa tua vida meia boca com a presença de minha boca inteira - e que boca. Molhada que tu se fartava, faminta que te mordia, te devorava e me fartava, eu não controlo essa minha fome de você. Eu quero come-lo! Inteiro!
 
Mas a verdade é que eu não sou como Billy, não me contento apenas com amor e atenção mesmo que grite por fome - de comida, atenção, desejo, elogios e centenas de outras coisas que uma mulher precise para viver sem ser como uma qualquer. Continuaremos os dois incontestáveis irresponsáveis, tanto com nós mesmos como com o outro, continuaremos assim, eu aqui e você aí. Mas quando quiser alguém para acender seu cigarro sem correr o risco de queimar seus dedos, ouvir uma boa música bebendo um bom vinho e fazendo bem, pode me chamar assim, como quem não quer nada, mas desejando tudo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário